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Procura-se um companheiro para o marreco

Cristina Rappa

Não se sabe  – e nunca descobriremos – se ele tem mau hálito, não tem “pegada” ou se sua conversa é chata, mas o fato é que, apesar de bonito e majestoso, como um de seus nomes populares indica, o marreco-pompom, ou pato-real, que vive no açude da fazenda, no sul de Minas, está há mais de ano sem companhia.

Companhia fixa, dessas para formar família, vamos ser claros.

Outras aves até aparecem de tempos em tempos. Já houve uma pata (à direita na foto acima, com o marreco), comprada junto com ele, por piedade, quando os dois foram vistos confinados em uma pequena gaiola na cidade vizinha, Mococa. Pareceram ser uma solução para alegrar o açude após a morte dos gansos, o que muito nos entristeceu. Além da dúvida: teriam sido mesmo os cachorros os carrascos dos pobres gansos?

Mas a pata, já em liberdade, logo atraiu a atenção de um pato selvagem que apareceu no açude e virou mãe de seis patinhos, selvagens como o pai.

Com o tempo, a família foi se mudando e restaram, por alguns meses, apenas dois dos patinhos, já adultos, que depois também se mudaram. Volúveis esses patos! Ter asas realmente proporciona um mundo de possibilidades.

Um mês depois que os derradeiros “patinhos” se mudaram, notamos a presença de uma ave diferente e linda. Pesquisa feita com grupo de especialistas em identificação de aves no Facebook, descobrimos que se tratava de uma ganso-do-Egito, espécie exótica que deve ter escapado de algum criador ou zoológico da região.

Enquanto eu lia os comentários no post (“não deixe que ele cruze com outra espécie”, “isso que dá criar espécies exóticas”, “capture-o e leve-o a um zoológico”, “deixe o animal em paz”…), o tal ganso estrangeiro já bateu asas e foi causar em outras paragens.

Aves - Marimbondo - garça branca grande no açude reduzida

Um mês mais tarde, volto a Arceburgo e observo, no açude, uma graça-branca-grande (acima), muito elegante, e um martim-pescador, que passaram a formar com o marreco um trio curioso. E bonito, justiça seja feita. Pareciam estar em tal harmonia que achei que dali não sairiam mais.

Qual o quê! Poucas semanas mais tarde, nada da garça (o martim-pescador, pelo menos, permanece, só tendo mudado de árvore), mas três coró-corós muito simpáticos – ou simpáticas? – ciscando nas margens do açude e pousando nos galhos na sua margem.

E o marreco lá, no meio, nadando para lá e para cá, torcendo provavelmente por uma companhia mais compatível com a sua espécie da próxima vez. Será que ele terá sorte?

Cristina Rappa é jornalista, profissional de Comunicação Corporativa e, de uns tempos para cá, tem se dedicado a escrever livros infantojuvenis e crônicas sobre animais e outros seres vivos.

O ganso sobrevivente

Cristina Rappa

Há cerca de dois anos meu irmão e minha cunhada ganharam seis gansos abençoados do convento das Carmelitas em Jundiaí (SP). Logo ganharam um destino que parecia, anos nossos olhos e das freiras, paradisíaco: o açude da fazenda, no sul de Minas, onde viveriam livres, com espaço, recebendo milho e ainda comendo frutinhas, como jabuticabas e acerolas.

Porém, a natureza tem suas regras e caprichos, e nem a benção das freiras livrou cinco das seis aves da morte misteriosa. Inicialmente as fêmeas, vulneráveis por estarem chocando os ovos, depois dois dos machos simplesmente desapareceram sem deixar vestígios, certamente comidos por algum animal silvestre faminto.

O pobre ganso sobrevivente, ciente do perigo, nos segue aflito, como a pedir socorro.  Acaba de ganhar dois companheiros – um marreco e uma pata – comprado por um amigo ao vê-los trancados em uma gaiola em uma loja. Nadam felizes, desfrutando da recente liberdade, e despreocupados. Nada melhor do que a liberdade, não?

Em uma tentativa de protegê-los, estamos providenciando uma espécie de “galinheiro”, onde eles se abrigariam à noite.

Fiquei muito triste com a situação das aves, mas me conforta imaginar que devem ter alimentado alguma família faminta de uma espécie silvestre (uma jaguatirica ou cachorro do mato, talvez?). Afinal, seriam esses predadores piores do que os políticos corruptos que nos escandalizam com seus golpes, os funcionários que desviam remédios de postos de saúde ou que atendem mal a população carente, os assassinos ao volante nas nossas estradas e cidades? Duvido muito.

De estimação e guarda

Os gansos são aves famosas por proteger a propriedade contra invasores. Apenas os nossos pobres amigos não conseguiram se proteger. Mas sempre deram sinal na chegada de alguém de fora.

Em função de sua valentia e braveza, já tem gente que os emprega como substitutos dos cães de guarda.

Mas, embora bravos, podem se tornar bons animais de estimação. Como um cão de guarda. Em meados deste mês de outubro, vejo a triste notícia do atropelamento do ganso Vem-Vem, que, há oito anos em uma casa em uma cidadezinha no interior do Rio Grande do Sul, acostumava acompanhar o dono por onde ele andava. Em uma dessas voltas, foi atropelado e não resistiu e agora o seu dono diz que pretende adotar seus filhotes.

Cristina Rappa é jornalista, profissional de Comunicação Corporativa e, de uns tempos para cá, tem se dedicado a escrever livros infantojuvenis e crônicas sobre animais e outros seres vivos.

 

O corujão

Muito dócil, a minha amiga coruja costumava me observar com atenção

É engraçado como certos animais carregam rótulos no imaginário popular.  Um deles é a coruja, animal normalmente associado a mistério e magia e personagem certo em filmes e livros com bruxas, como a Hedwig, companheira de Harry Potter.

Eu, ao contrário, sempre tive simpatia por corujas. Não que tivesse muita experiência com elas e sempre tive consciência de que não devemos interferir com animais silvestres. Estava apenas acostumada com a presença das “buraqueiras”, me observando ao passar na estrada, dos morões das cercas.

Eis que, no feriado de 7 de setembro, me deparo, caminhando no início da noite, com uma coruja enorme e linda, da espécie Murucututu da Barriga Amarela (Pulsatrix perspicillata pulsatrix), também conhecida como Corujão, por medir mais de 40 cm. Estava presa pela asa na cerca de arame farpado de uma propriedade rural no sul de Minas. Viria a descobrir mais tarde, lendo um estudo de biólogos da USP, que essa é uma das principais causas de morte de corujas no Brasil, após atropelamentos e eletrocussões.

Meu irmão cortou o arame e libertamos a pobre da posição desconfortável de ficar dependurada pela asa na cerca. Ela parecia nos agradecer com o olhar e logo grudou no meu braço e colo, o que – confesso – foi um pouco dolorido, pois suas garras eram afiadas como as de um gavião. Nada mais natural para quem tem que agarrar seu alimento.

No dia seguinte de manhã, a levamos ao veterinário para retirar o resto do arame farpado ainda preso na asa e ouvimos o lacônico veredicto: “É uma pena, mas os músculos da asa parece que foram afetados e ela não deve voar mais”.

De volta à casa, deixei-a empoleirada no espaldar da cadeira da lavanderia, aberta para o jardim. Ela me olhava com o olhar interessado, bebia água, mas não comia. Como alimentar um animal silvestre acostumado a caçar o próprio alimento? Uma pesquisa pela internet e redes sociais e várias sugestões aparecem: carne, insetos, roedores, morcegos …

A natureza se encarregou e, ao cair da noite, ela já dava as primeiras tímidas voadas e até caçou um passarinho desavisado (o que me entristeceu, mas faz parte da natureza, pensei). Depois de cuidada e recuperada, em uma semana conseguiu alçar vôos mais longos e voltar para o mato.

Fiquei feliz – afinal, lugar de animal silvestre é na natureza, solto – e também um pouco saudosa, pois me apeguei a esse ser fascinante, que me observava atentamente, tentava se comunicar comigo e virava a cabeça ao ouvir a minha voz. E – acreditem – adorava um cafuné. Não é à toa que encanta as bruxas.

E, naquelas coisas da vida, no mesmo dia em que a coruja voltou para a natureza, presencio, revoltada, uma seriema ser atropela em uma estrada no interior de São Paulo, por um motorista veloz e distraído. Pensei: “Bom, não é todo dia que conseguimos salvar um animal silvestre”. “Minha” coruja teve mais sorte do que essa pobre seriema. Uma vida recuperada e outra que se vai. Em ambos os casos, pela ação do homem.

Eu não vou conseguir salvar todos os animais silvestres de acidentes como esses, mas se puder ajudar a combater, com informação e educação, que lugar de animal silvestre é na natureza e que o tráfico e aprisionamento são crimes, já estou fazendo a minha parte.

 Sobre as corujas

Corujas, especialmente as noturnas, costumam estar associadas a estórias de magia e mau augúrio, superstição boba. Os gregos, pelo contrário, não só as valorizavam como aves benfeitoras, como as consideravam símbolo de sabedoria.

O fato é que essa ave totalmente inofensiva é muito útil para o equilíbrio biológico, especialmente de zonas rurais. Pois se alimenta de ratos e outros roedores, como os morcegos hematófagos. Sem as corujas, a população de roedores seria incontrolável, desolando lavouras e celeiros de grãos, e transmitindo doenças.

 

Cristina Rappa é jornalista, profissional de Comunicação Corporativa e escritora de livros infantojuvenis.