Inspiração
Procura-se um companheiro para o marreco
Não se sabe – e nunca descobriremos – se ele tem mau hálito, não tem “pegada” ou se sua conversa é chata, mas o fato é que, apesar de bonito e majestoso, como um de seus nomes populares indica, o marreco-pompom, ou pato-real, que vive no açude da fazenda, no sul de Minas, está há mais de ano sem companhia.
Companhia fixa, dessas para formar família, vamos ser claros.
Outras aves até aparecem de tempos em tempos. Já houve uma pata (à direita na foto acima, com o marreco), comprada junto com ele, por piedade, quando os dois foram vistos confinados em uma pequena gaiola na cidade vizinha, Mococa. Pareceram ser uma solução para alegrar o açude após a morte dos gansos, o que muito nos entristeceu. Além da dúvida: teriam sido mesmo os cachorros os carrascos dos pobres gansos?
Mas a pata, já em liberdade, logo atraiu a atenção de um pato selvagem que apareceu no açude e virou mãe de seis patinhos, selvagens como o pai.
Com o tempo, a família foi se mudando e restaram, por alguns meses, apenas dois dos patinhos, já adultos, que depois também se mudaram. Volúveis esses patos! Ter asas realmente proporciona um mundo de possibilidades.
Um mês depois que os derradeiros “patinhos” se mudaram, notamos a presença de uma ave diferente e linda. Pesquisa feita com grupo de especialistas em identificação de aves no Facebook, descobrimos que se tratava de uma ganso-do-Egito, espécie exótica que deve ter escapado de algum criador ou zoológico da região.
Enquanto eu lia os comentários no post (“não deixe que ele cruze com outra espécie”, “isso que dá criar espécies exóticas”, “capture-o e leve-o a um zoológico”, “deixe o animal em paz”…), o tal ganso estrangeiro já bateu asas e foi causar em outras paragens.
Um mês mais tarde, volto a Arceburgo e observo, no açude, uma graça-branca-grande (acima), muito elegante, e um martim-pescador, que passaram a formar com o marreco um trio curioso. E bonito, justiça seja feita. Pareciam estar em tal harmonia que achei que dali não sairiam mais.
Qual o quê! Poucas semanas mais tarde, nada da garça (o martim-pescador, pelo menos, permanece, só tendo mudado de árvore), mas três coró-corós muito simpáticos – ou simpáticas? – ciscando nas margens do açude e pousando nos galhos na sua margem.
E o marreco lá, no meio, nadando para lá e para cá, torcendo provavelmente por uma companhia mais compatível com a sua espécie da próxima vez. Será que ele terá sorte?
Cristina Rappa é jornalista, profissional de Comunicação Corporativa e, de uns tempos para cá, tem se dedicado a escrever livros infantojuvenis e crônicas sobre animais e outros seres vivos.
Amsterdã e as bicicletas
Pensou em mobilidade urbana sobre duas rodas, pensou em Amsterdã. A capital cultural da Holanda, conhecida como a Cidade das Bicicletas, tem 400 km de ciclovias e esse é o melhor jeito de se circular pelo seu centro histórico, do século 17. Em Amsterdã, não há sistema público de aluguel de bicicletas – como o famoso Vélib de Paris, o Bike Mi, de Milão, ou o Bike Sampa, de São Paulo – mas há vários pontos privados de aluguel de bicicletas, na sua maioria sem marchas e com freio contra-pedal, ou seja, você freia pedalando para trás. No início, é meio desafiador, mas você logo se acostuma.
Cidade plana e pequena (cerca de 820 mil habitantes) em comparação com outras capitais europeias, Amsterdã tem tudo para ser bike friendly. Tanto que muita gente se locomove para o trabalho, escola, compras ou até para a balada, de bicicleta, mesmo debaixo de chuva ou no inverno holandês, que não é ameno.
A popularização desses veículos na Holanda data dos anos 1920, quando, no entre-guerras, as bicicletas fabricadas em uma Alemanha combalida eram muito baratas e invadiram o país. Esse meio de transporte cresceu tanto que as primeiras ciclovias apareceram em 1925. Mas, fora isso, nunca houve, ao contrário de outras cidades, incentivo para quem commute de bicicleta, ou seja, quem a usasse para se deslocar para o trabalho ou escola.
Com a dificuldade de se transitar de carro nas ruas nem um pouco paralelas do centro histórico, o respeito dos motoristas – de automóveis e bondes (o “tram”), os pontos de estacionamento para bicicletas, nada mais natural que elas dominassem mesmo as ruas. O que é bom para a saúde e o meio ambiente.
Furtos
Mesmo com tanta civilidade e educação, um dos maiores problemas dos ciclistas holandeses é o furto de bicicletas. Pois eles ocorrem em grande número e são históricos. Anne Frank, a menina judia autora do famoso diário, teve sua bicicleta furtada em 1942, na frente do esconderijo da família, durante a ocupação nazista.
Segundo o jornalista norte-americano Pete Jordan, em seu livro “In the city of bikes – the story of the Amsterdam cyclist” (Harper Perennial, 2013), no final dos anos 1990, a polícia holandesa estimava que 180 mil bicicletas eram roubadas ou furtadas por ano em Armsterdã, o que dava mais de 20 por hora. O próprio Jordan foi vítima de um desses furtos.
Não é raro ver apenas rodas presas por cadeados em postes ou grades ou mesmo apenas os cadeados arrombados. Boa parte das bicicletas são roubadas por viciados em heroína ou por gente que as usa para voltar para casa, para economizar ou mesmo por não ter o dinheiro para o bonde.
Daí é fácil entender por que as bicicletas que se veem nas ruas e canais de Amsterdã costumam ser velhas, sujas e não sofisticadas. O que dá – convenhamos – um certo charme e ar de despojamento à cidade. Como se os holandeses desdenhassem: “Não estamos nem aí para o consumismo desenfreado e somos felizes assim”.
Donos das ruas
Outra característica das magrelas holandesas são as caixas, para as compras, na frente ou atrás, no bagageiro, e as mulheres levando crianças. Muitas vezes, duas, uma na frente e outra atrás. Ou em carrinhos empurrados pela bicicleta. Haja pernas e coração.
Andar com tanta confiança e desenvoltura de bicicleta pela cidade faz do ciclista de Amsterdã um imprudente, ou um verdadeiro anarquista, exagerariam alguns. Verdadeiros donos das ruas, eles não costumam respeitar semáforos e até mesmo pedestres. O problema é quando, em um cruzamento, um dos ciclistas fura o sinal e vêm outros do outro lado. Acidente na certa.
Jordan, do livro, conta que foi atropelado em sua primeira semana na cidade por duas bicicletas, no que ele acreditava ser a calçada. Mas era a ciclovia, que ficava entre a calçada e a rua. Nesse caso, ele, novato na cidade, estava errado, mas nenhum dos dois ciclistas pensou em parar, ou parou depois para perguntar se ele, caído no chão, estava bem.
Ditadura da bicicleta
Com os smartphones, o problema aumentou, pois não é raro ver jovens escrevendo SMS em cima da bicicleta – em movimento. E cruzando o trilho do bonde em uma atitude suicida para nós paulistanos.
Por isso, há quem já reclame da “ditadura das bicicletas” na cidade. Não só lá. No final do ano passado, os taxistas de Milão se manifestaram contra o que alegam ser uma primazia total dos veículos de duas rodas, incluindo aí as populares scooters, que circulam sobre calçadas etc. nas vias italianas.
De qualquer forma, não dá para visitar a cidade sem alugar uma bicicleta, para flanar pelos canais, descendo da magrela para visitar seus famosos museus, como o Rijksmuseum e o Van Gogh, ou para um café. E, se cansar, dá sempre para entrar no bonde.
E nem dá para deixar de questionar as nossas horas perdidas e nervosas no trânsito desrespeitoso das grandes cidades brasileiras. Qual o modelo mais sábio? Eu fico com a autoconfiança do ciclista holandês.
Cristina Rappa, jornalista especializada em agricultura e meio ambiente, autora dos livros infanto-juvenis “Topetinho Magnífico” (Ed. Melhoramentos, 2012) e “Florestas” (Melhoramentos, 2014), é louca por uma bicicleta e, sempre que pode, troca as quatro rodas por duas e sai por aí.
Obs.: Este artigo foi publicado no site Papo Reto em 08/04/14
O ganso sobrevivente
Há cerca de dois anos meu irmão e minha cunhada ganharam seis gansos abençoados do convento das Carmelitas em Jundiaí (SP). Logo ganharam um destino que parecia, anos nossos olhos e das freiras, paradisíaco: o açude da fazenda, no sul de Minas, onde viveriam livres, com espaço, recebendo milho e ainda comendo frutinhas, como jabuticabas e acerolas.
Porém, a natureza tem suas regras e caprichos, e nem a benção das freiras livrou cinco das seis aves da morte misteriosa. Inicialmente as fêmeas, vulneráveis por estarem chocando os ovos, depois dois dos machos simplesmente desapareceram sem deixar vestígios, certamente comidos por algum animal silvestre faminto.
O pobre ganso sobrevivente, ciente do perigo, nos segue aflito, como a pedir socorro. Acaba de ganhar dois companheiros – um marreco e uma pata – comprado por um amigo ao vê-los trancados em uma gaiola em uma loja. Nadam felizes, desfrutando da recente liberdade, e despreocupados. Nada melhor do que a liberdade, não?
Em uma tentativa de protegê-los, estamos providenciando uma espécie de “galinheiro”, onde eles se abrigariam à noite.
Fiquei muito triste com a situação das aves, mas me conforta imaginar que devem ter alimentado alguma família faminta de uma espécie silvestre (uma jaguatirica ou cachorro do mato, talvez?). Afinal, seriam esses predadores piores do que os políticos corruptos que nos escandalizam com seus golpes, os funcionários que desviam remédios de postos de saúde ou que atendem mal a população carente, os assassinos ao volante nas nossas estradas e cidades? Duvido muito.
De estimação e guarda
Os gansos são aves famosas por proteger a propriedade contra invasores. Apenas os nossos pobres amigos não conseguiram se proteger. Mas sempre deram sinal na chegada de alguém de fora.
Em função de sua valentia e braveza, já tem gente que os emprega como substitutos dos cães de guarda.
Mas, embora bravos, podem se tornar bons animais de estimação. Como um cão de guarda. Em meados deste mês de outubro, vejo a triste notícia do atropelamento do ganso Vem-Vem, que, há oito anos em uma casa em uma cidadezinha no interior do Rio Grande do Sul, acostumava acompanhar o dono por onde ele andava. Em uma dessas voltas, foi atropelado e não resistiu e agora o seu dono diz que pretende adotar seus filhotes.
Cristina Rappa é jornalista, profissional de Comunicação Corporativa e, de uns tempos para cá, tem se dedicado a escrever livros infantojuvenis e crônicas sobre animais e outros seres vivos.
Passarinhos de cidade grande
A algazarra começa logo cedo, sendo que os primeiros a acordar são os sabiás-laranjeira. Há ainda as rolinhas e os bem-te-vis, mas ninguém ganha das maritacas, ou periquitos, em matéria de ruído. Muito alegres, elas voam e pousam em bandos, sempre piando estridentemente, no parapeito do telhado da nossa casa e das dos vizinhos, nos acordando pela manhã e provocando meus cinco gatos.
Os sabiás, mais gulosos, muitas vezes se arriscam a roubar uns grãos da ração dos gatos. Alguns até já se tornaram comida de gato. Nesse quesito, caçada a passarinhos, Pérola, a mais meiga e mais gordinha da turma peluda de casa, é campeã. Muito a contra-vontade teve que aceitar a coleira com guizo, para alertar as aves sobre sua proximidade, dando-lhes tempo para fugir. Um problema resolvido: a chegada dos guizos decretou o fim da temporada de caça aos passarinhos em casa.
Além disso, a alimentação dos gatos passou a ser fornecida em dois turnos diários: de manhã cedo e no final da tarde. Assim, sem ração dando sopa o dia todo nos comedouros dos felinos, os passarinhos tendem a levar uma vida mais “natural” e vão se alimentar de frutas, sementes e flores das árvores e arbustos que têm, felizmente, aumentado no meu bairro, seja nos jardins das casas, nas calçadas ou nas praças. A julgar pela circunferência do corpo dos sabiás, a ração de gatos não parece estar fazendo muita falta.
Outra medida que tivemos que tomar para proteger os pássaros foi colocar adesivos nos vidros do andar de cima da casa que eles não identificavam e batiam, ao tentar atravessar, pensando se tratar de um vão livre.
Encontrar um passarinho morto pela batida no vidro era motivo de tristeza geral aqui. Foi quando uma amiga com o mesmo problema trouxe da Europa uns simpáticos adesivos “alerta-pássaros” e parti para essa importação também. Outro problema resolvido e mais nenhum passarinho apareceu morto por aqui. Pelo menos de morte não-natural.
Mais comida e poluição
Cerca de 400 espécies habitam a Grande São Paulo, segundo o Guia de Campo Aves da Grande São Paulo, de Pedro Develey e Edson Endrigo e publicado pela Aves & Fotos Editora. Forte urbanização, poluição do ar, dos rios e sonora não parecem incomodá-los. Com a oferta de comida fácil (como a ração dos meus gatos…) é maior nas cidades, as aves não abandonam a metrópole. Para nossa sorte.
Nas praças e em alguns restaurantes com mesas ao ar livre, é comum observar pardais, tico-ticos e pombas à espreita, esperando cair ou ganhar alguns farelos, casquinhas e miolos de pão.
Na ciclovia do rio Pinheiros, os quero-queros já vêm fazer companhia às garças-brancas e às capivaras. Fazem seus ninhos, perseguem com coragem e energia alguns ciclistas, para defender suas crias (nem sempre dá resultado e alguns são, infelizmente, atropelados), e parecem não se incomodar com o odor horrível do rio, especialmente em dias de muito calor e pouca chuva.
Se a população e o poder público valorizarem e preservarem o verde na cidade, vamos ter uma São Paulo não apenas mais alegre, com a presença dos passarinhos, mas também mais fresca e agradável.
Cristina Rappa é jornalista, profissional de Comunicação Corporativa e, de uns tempos para cá, tem se dedicado a escrever livros infantojuvenis e crônicas sobre animais e outros seres vivos.
O mistério do sumiço dos macaquinhos no inverno
Acho uma delícia ficar observando os fenônemos da natureza e constatar o quanto ela é dinâmica. Quem acha que a vida no campo é monótona não a conhece ou a olha com olhos equivocados, com parâmetros de cidade grande, procurando outro tipo de agito.
Na natureza, ao contrário da cidade, em que todo dia tem sempre oferta das mesmas coisas (já viu faltar laranja ou abacaxi no supermercado? Mesmo que meio azedas ou sem-graça, essas frutas estão sempre lá), a dinâmica é outra e segue a lógica das estações do ano, o que faz com que o cenário e os personagens mudem totalmente conforme a época.
Hoje, por exemplo, fui surpreendida, em uma caminhada de final de tarde em horário de verão, por um bando de macaquinhos que tentava chamar a minha atenção no bambuzal, pulando de lá para cá, fazendo poses e chacoalhando os bambus, que gemiam. Antes de partir para o ataque. Das mangas, sua sobremesa parece que preferida, depois de desgustar os brotos de bambu.
Aí me dei conta de que fazia meses, muitos meses que não os via. E que eles apareciam em bando, como costumam viver, sempre nesta época, atraídos pelas mangas que começavam a aparecer no final da primavera, e, mais adiante, pelo milho verde, outra iguaria de sua preferência.
Fiz um esforço para me lembrar se alguma vez tinha avistado macacos no inverno na fazenda, quando o pomar é predominantemente cítrico. Pelo visto, não gostam muito de laranjas, limões e mixiricas. Já são mais chegados nas jabuticabas, muito abundantes neste outubro, por sinal.
E reaparecem mesmo junto com o verde que veio para ficar um bom tempo, depois de várias chuvas da primavera. Não daquelas primeiras, hesitantes. Mas as chuvas que vêm com gosto e trazem a exuberância e o perfume das mangas, dos abacates e dos mamões.
Aí surge a dúvida: para onde eles vão e o que fazem no outono e no inverno? Seriam animais de hibernação? Como os jabotis, que passam meses fechados em seus cascos?
Nunca imaginei isso deles. Devem ir procurar alimento diferente em outras paragens nessa estação.
Mas, enquanto pensava nisso, de repente acordo com uma manga voadora que por pouco não atinge a minha cabeça. Atirada por um macaquinho que, depois, malandro e divertido, foge em disparada de volta para o bambuzal, sua escala antes de entrar na mata.
Se você não se diverte ao deixar a cidade grande e vir para o campo, eles, seres do mato, bem que se divertem com você. E, cuidado, que lá vem mais manga! Ainda bem que eles ainda não descobriram a jaqueira.
Cristina Rappa é jornalista, profissional de Comunicação Corporativa e, de uns tempos para cá, tem se dedicado a escrever livros infantojuvenis e crônicas sobre animais e outros seres vivos.
O corujão
É engraçado como certos animais carregam rótulos no imaginário popular. Um deles é a coruja, animal normalmente associado a mistério e magia e personagem certo em filmes e livros com bruxas, como a Hedwig, companheira de Harry Potter.
Eu, ao contrário, sempre tive simpatia por corujas. Não que tivesse muita experiência com elas e sempre tive consciência de que não devemos interferir com animais silvestres. Estava apenas acostumada com a presença das “buraqueiras”, me observando ao passar na estrada, dos morões das cercas.
Eis que, no feriado de 7 de setembro, me deparo, caminhando no início da noite, com uma coruja enorme e linda, da espécie Murucututu da Barriga Amarela (Pulsatrix perspicillata pulsatrix), também conhecida como Corujão, por medir mais de 40 cm. Estava presa pela asa na cerca de arame farpado de uma propriedade rural no sul de Minas. Viria a descobrir mais tarde, lendo um estudo de biólogos da USP, que essa é uma das principais causas de morte de corujas no Brasil, após atropelamentos e eletrocussões.
Meu irmão cortou o arame e libertamos a pobre da posição desconfortável de ficar dependurada pela asa na cerca. Ela parecia nos agradecer com o olhar e logo grudou no meu braço e colo, o que – confesso – foi um pouco dolorido, pois suas garras eram afiadas como as de um gavião. Nada mais natural para quem tem que agarrar seu alimento.
No dia seguinte de manhã, a levamos ao veterinário para retirar o resto do arame farpado ainda preso na asa e ouvimos o lacônico veredicto: “É uma pena, mas os músculos da asa parece que foram afetados e ela não deve voar mais”.
De volta à casa, deixei-a empoleirada no espaldar da cadeira da lavanderia, aberta para o jardim. Ela me olhava com o olhar interessado, bebia água, mas não comia. Como alimentar um animal silvestre acostumado a caçar o próprio alimento? Uma pesquisa pela internet e redes sociais e várias sugestões aparecem: carne, insetos, roedores, morcegos …
A natureza se encarregou e, ao cair da noite, ela já dava as primeiras tímidas voadas e até caçou um passarinho desavisado (o que me entristeceu, mas faz parte da natureza, pensei). Depois de cuidada e recuperada, em uma semana conseguiu alçar vôos mais longos e voltar para o mato.
Fiquei feliz – afinal, lugar de animal silvestre é na natureza, solto – e também um pouco saudosa, pois me apeguei a esse ser fascinante, que me observava atentamente, tentava se comunicar comigo e virava a cabeça ao ouvir a minha voz. E – acreditem – adorava um cafuné. Não é à toa que encanta as bruxas.
E, naquelas coisas da vida, no mesmo dia em que a coruja voltou para a natureza, presencio, revoltada, uma seriema ser atropela em uma estrada no interior de São Paulo, por um motorista veloz e distraído. Pensei: “Bom, não é todo dia que conseguimos salvar um animal silvestre”. “Minha” coruja teve mais sorte do que essa pobre seriema. Uma vida recuperada e outra que se vai. Em ambos os casos, pela ação do homem.
Eu não vou conseguir salvar todos os animais silvestres de acidentes como esses, mas se puder ajudar a combater, com informação e educação, que lugar de animal silvestre é na natureza e que o tráfico e aprisionamento são crimes, já estou fazendo a minha parte.
Sobre as corujas
Corujas, especialmente as noturnas, costumam estar associadas a estórias de magia e mau augúrio, superstição boba. Os gregos, pelo contrário, não só as valorizavam como aves benfeitoras, como as consideravam símbolo de sabedoria.
O fato é que essa ave totalmente inofensiva é muito útil para o equilíbrio biológico, especialmente de zonas rurais. Pois se alimenta de ratos e outros roedores, como os morcegos hematófagos. Sem as corujas, a população de roedores seria incontrolável, desolando lavouras e celeiros de grãos, e transmitindo doenças.
Cristina Rappa é jornalista, profissional de Comunicação Corporativa e escritora de livros infantojuvenis.